Dirigentes da APEB publicam artigo contra a Reforma Administrativa

O presidente e o vice-presidente da APEB, Téssio Rauff e Alexandre Araújo, publicaram no Jornal A Tarde de 18/11/2025, pág. A2, Coluna Opinião, artigo sobre a Reforma Administrativa, cujo projeto está para ser votado ainda este ano na Câmara dos Deputados. Leia íntegra abaixo. 

 

Reforma Administrativa: o Cavalo de Tróia

 

Vende-se a Reforma Administrativa como modernização, eficiência e racionalização. Mas o que se apresenta como presente de ouro ao gestor municipal — alívio fiscal, simplificação e contenção — pode ser, na verdade, o instrumento silencioso que implode a autonomia política dos mais de 5 mil prefeitos e vereadores do país.

O Cavalo de Tróia, na literatura grega, foi um estratagema engenhoso à primeira vista, um presente que, escondendo soldados, permitiu a invasão de uma cidade até então impenetrável. No Brasil presente, a Reforma Administrativa, sob a aparência de modernidade, traz consigo restrições à autonomia municipal.

Tal como em Tróia, o brilho aparente oculta um exército: normas gerais de caráter nacional que passam a comandar, por cima, a organização do poder local. Um arranjo que desloca o centro de gravidade da federação para um modelo quase unitário, com parâmetros federais modulando a estrutura, o gasto, o planejamento, o número de secretarias, a forma de gerir pessoas e a definição do que seria política pública eficiente.

A proposta limita o número de secretarias municipais conforme receita e população. O prefeito deixa de ser o arquiteto de sua própria máquina. Uma cidade do sertão seria obrigada a obedecer a mesma régua de uma capital litorânea — com dinâmica, cultura, urgências e realidade fiscal completamente distintas.

Mais: o planejamento estratégico municipal, que deveria ser expressão de vontade democrática, construída na relação direta entre liderança política e sua base social, passa a ser auditado por instâncias federais, com poder de sancionar e travar políticas públicas locais se julgarem “ineficientes”. O previsto Sistema Nacional de Avaliação de Políticas Públicas (SINAP) é o ápice dessa centralização.

No campo de pessoal, a tendência se torna ainda mais explícita: tabela remuneratória única nacional em até 10 anos. Concursos nacionais para cargos de base, gerando rotatividade e perda de vínculo comunitário. Há também limites constitucionais sobre remuneração de prefeitos e vereadores — mas não equivalentes para Legislativo federal e órgãos centrais. O desequilíbrio está desenhado na origem.

No limite, a Reforma se converte numa reforma política disfarçada. O pacto federativo de 88 — que fez nascer o município como ente federativo pleno, pulsante e criativo — é amputado. Prefeitos tornam-se gestores homologadores. Vereadores tornam-se decorativos. É o retorno simbólico do prefeito biônico. É a regressão democrática.

Não à toa, após o protocolo, parlamentares já começaram a retirar assinaturas. O alerta chegou. Agora cabe aos prefeitos decidirem se aceitam este presente que parece reluzir, mas pode, de dentro para fora, destruir a própria alma da autonomia municipalista brasileira. O cavalo está na porta. A escolha é histórica.

 

Téssio Rauff de Carvalho Moura – Presidente da Associação dos Procuradores do Estado da Bahia (APEB)

 

Alexandre de Souza Araújo – Vice-presidente da Associação dos Procuradores do Estado da Bahia (APEB)